Morpheus (Matrix)
No texto de hoje tratarei um tema precedente ao famigerado gerenciamento de resultados (earnings management): escolhas contábeis (accounting choices). Para tanto, antes de abordar algumas definições, pretendo apresentar alguns conceitos gerais (porém essenciais) da Teoria Contratual da Firma e da Teoria da Agência, bem como o papel das demonstrações financeiras e da informação contábil financeira útil.
Antes de tudo, pergunto: “O que é uma organização econômica”. Na visão
neoclássica, enxergamos as organizações econômicas como atores sociais movidos
por anseios (ora, uma organização visa lucro), “personificadas”, em sua essência.
Antagonicamente, surge uma outra visão, fornecida pela Teoria Contratual da
Firma, afirmando que uma organização econômica é, sob sua perspectiva, um
conjunto de contratos (entendimentos mútuos) entre agentes (indivíduos). Ou
seja, organizações surgem em decorrência de compromissos (contratos) entre os
mais diversos indivíduos, dentro de um contexto denominado “firma” (daí Teoria
Contratual da Firma). Shyam Sunder apresenta isto em seu livro “Teoria da
Contabilidade e Controle” (ótimo livro, recomendo!). A firma, então, seria algo
nessa perspectiva:
Conseguinte, precisamos entender a Teoria da Agência (melhor explicada aqui). Bastante abordada entre os acadêmicos da
contabilidade, economia e administração, esta teoria preconiza que uma relação
de agência surge a medida que um indivíduo (o principal) delega a outro (o
agente) a função de realizar alguma atividade (Jensen & Meckling, 1976).
Simplificando: se contrato alguém para desempenhar uma função, espero que este
alguém faça o máximo possível para atender o que foi acordado (aqui, surge a
figura da maximização da utilidade), correto? Bem, eis que surge um problema...
pois estas relações são construídas sob um cenário de assimetria informacional
(via seleção adversa, ex ante, via
risco moral, ex post), logo o agente
tem acesso a informações que o principal não tem e vice-versa. Ok, mas como a
Teoria Contratual da Firma e a Teoria da Agência se relacionam?
Macho-Stadler e Pérez-Castrillo (2001) afirmam que esta relação de
agência (mencionada no parágrafo anterior) pode ser caracterizada como uma
relação contratual bilateral (a relação surgiria por meio de um contrato,
formal ou informal). Logo, toda relação de agência é contratual, mas nem toda
relação contratual é, necessariamente, uma relação de agência (podem existir
relações onde o agente não tem margens para tomar decisões que afetem o
principal). Devido a assimetria informacional, um contrato é inevitavelmente
incompleto (Milgrom & Roberts, 1992). E aqui surge uma das ideias que mais
gostei no livro do Sunder: como a
contabilidade pode ajudar a mitigar os problemas gerados pela incompletude de
informações, reduzindo o conflito de agência e melhorando os contratos?
“A contabilidade ajuda a implementar e a
fazer cumprir os contratos que constituem a firma” (Sunder, 2014).
Traduzindo: A
(principal) delega a B (agente) uma determinada função. Esta delegação é dada via
contrato. B, então, passa a desempenhar a função que lhe foi delegada. Como A
pode verificar o desempenho de B? Aqui, surgiria a contabilidade, como uma
“lupa” que permite verificar o andamento destes contratos – seja com os
acionistas, seja com os funcionários, fornecedores, etc.
Cadê as escolhas contábeis? Que enrolação. Pensemos. Os números contábeis são tidos como base para diversos
contratos (Silva, 2008), ou seja, apelamos aos números para verificar se o desempenho
(por desempenho não entendam, necessariamente, resultado!) está de acordo com o
que se espera (ex.: acionista ao verificar o desempenho dos gestores, pelos
resultados; credores ao verificar a liquidez, etc). O gestor, por sua vez, detém o poder discricionário sobre estes números
contábeis (Macho-Stadler & Pérez-Castrillo, 2001). Lhes pergunto: surge,
aqui, um problema? Será que quem produz a informação não estará tentado a
mostrar, por meio da contabilidade, o que a outra parte deseja ver? Neste momento,
surge a importância de entendermos as escolhas contábeis.