quinta-feira, 24 de maio de 2018

Contabilidade em regras ou princípios?




Existe uma dualidade de conceitos envolvendo a normatização contábil. De um lado está o Financial Accounting Standards Board (FASB) apoiado em normas com atributos que levam a ser rotuladas como fundamentada em regras e o do outro o International Accounting Standars Board (IASB) caracterizado por ser baseado em princípios. Quais as vantagens e desvantagens de se adotar um ou outro?
As IFRS emitidas pelo IASB têm como principal objetivo padronizar a contabilidade. Essas normas prezam mais pela essência econômica da transação do que a forma jurídica, tendo em vista o pragmatismo das demonstrações contábeis, ou seja, a utilidade da informação para que se tenha dados mais relevantes para os usuários, prezando assim, pela transparência e qualidade das demonstrações. Dessa forma, sugerem um maior julgamento profissional norteando o contador para decidir o que é necessário fazer e como se deve fazer.
GAAP são legislações contábeis de cada país. Geralmente são representadas acrescentando duas letras precedidas da palavra “GAAP” para corresponder ao país a que pertence determinada norma, como no exemplo “US GAAP”, fazendo assim referência a legislação dos USA emitida pelo FASB. Dessa maneira, essas normas são suplementadas por orientações ou guias de implementação e de interpretação determinando como deve ser feito o registro da contabilidade. Primando assim, pela consistência das informações contábeis e favorecendo a comparabilidade, já que há critérios mais específicos para tratamento dos diversos eventos.
O Brasil ao adotar as IFRS vivenciou a transição desses dois conceitos, deixando de estar amparado em uma contabilidade mais apoiada em regras. Muitos profissionais da área, nesse momento, sentiram o impacto dessas mudanças até porque tiveram que reformular tudo o que havia sido aprendido anteriormente para estar a par das atualizações. Vale destacar também, que durante esse processo houve uma maior valorização da figura do profissional contador, já que foi requerido ainda mais a sua avaliação diante das transações.
E qual é a desvantagem de se adotar as IFRS? O grande debate envolvendo essa variável encontra-se no fato de que as empresas ao adotarem essas normas, primando pela representação fidedigna de uma transação, podem ter a possibilidade de perder a comparabilidade e até mesmo a objetividade de informações mais verificáveis, como, por exemplo, deixar de optar pelo custo histórico em decorrência da mensuração do valor justo, tornando possível o gerenciamento de resultados como até fraudes.
Aliás, esse foi um dos motivos para que o USA adotassem essa característica mais voltado para regras, tendo em vista os escândalos ocorridos nos anos 2000. Mas o que será do futuro? Ainda não sabemos, mas o curioso que o FASB e o IASB nos últimos anos tem se juntado, e por isso podemos dizer, que estão mesclando suas normas para tentar preencher lacunas. Um grande exemplo disso é o novo CPC 47 de receitas.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Desafios da pesquisa positivista-quantitativa em contabilidade


 Desafios da pesquisa positivista-quantitativa em contabilidade


    A pesquisa é um processo de descoberta intelectual com o poder de transformar nosso conhecimento e entendimento sobre o mundo que nos cerca (Ryan, Scapens, & Theobold, 2002). A forma como o pesquisador compreende o mundo influencia, por sua vez, o modo como uma pesquisa é desenvolvida. Esta maneira de compreender a realidade que nos cerca está relacionada a posição ontológica do pesquisador, ou seja, como este percebe os fenômenos, físicos ou sociais, que estão sendo investigados (Saccol, 2009). Simplificadamente existem duas posições ontológicas, antagônicas em essência, possíveis de serem adotadas por quem pesquisa: realista ou idealista (Richardson, 2012).
Um(a) pesquisador(a) de ontologia realista enxerga os fenômenos de maneira objetiva, acreditando na existência de uma realidade independente da existência ou da percepção do ser humano (Saccol, 2009). Antagonicamente, um(a) pesquisador(a) de ontologia idealista enxerga os fenômenos de maneira subjetiva, como frutos da construção social (Ryan, Scapens, & Theobold, 2002), no qual o contexto, pensamentos e sentimentos de quem pesquisa moldam a percepção acerca do fenômeno investigado (Saccol, 2009). Em suma, enquanto aquele que adota uma posição ontológica realista enxerga uma realidade objetiva, independente de sua existência, aquele que adota uma posição ontológica idealista enxerga uma realidade subjetiva, cuja existência depende de si.
O direcionamento epistemológico adotado por um pesquisador está, de acordo com Saccol (2009), fortemente associado a estes pressupostos ontológicos (realismo ou idealismo). Enquanto a ontologia trata da forma como se percebe a realidade, a epistemologia trata da forma como se obtém conhecimento acerca dessa realidade (Ryan, Scapens, & Theobold, 2002). Na pesquisa em contabilidade, diversos autores (Brown & Jones, 2015; Dyckman & Zeff, 2015; Oler, Oler, & Skousen, 2010) argumentam que o positivismo é a epistemologia predominante.
De posicionamento ontológico usualmente realista (Gray, 2013), para o pesquisador que segue a tradição positivista a pesquisa em contabilidade tem por objetivo explicar e predizer fenômenos relacionados a informação e a prática contábil (Watts & Zimmerman, 1986). Neste sentido, para os pesquisadores positivistas em contabilidade, a realidade é uma estrutura concreta, objetiva, independente e neutra (value-free), regida por leis gerais sendo possível a quem pesquisa reduzi-la a uma série de variáveis dependentes e independentes, a fim de se identificar relações de causalidade, fundamentando-as em teorias econômicas, em sua maioria (Major, 2017). É devido ao uso de grandes bancos de dados e ferramentas estatísticas que a epistemologia dominante também é conhecida por positivista-quantitativa.
De maneira geral, para identificar estas relações de causalidade, o pesquisador positivista-quantitativa deve elaborar um desenho de pesquisa que permita que a evidência obtida seja suficiente para responder a hipótese inicial da maneira mais inequívoca possível (Vaus, 2001). Neste ensaio, procuro apresentar algumas dificuldades enfrentadas no processo de validação do desenho de pesquisa. Para tanto, vê-se antes necessário compreender, além do objetivo da pesquisa positivista-quantitativa, os desenhos de pesquisa que podem ser empregados pelo pesquisador de tradição positivista-quantitativa. Mais à frente, tratar-se-á dos desafios enfrentados ao validar estes desenhos de pesquisa.
Existem dois desenhos de pesquisa que podem ser empregados na contabilidade: experimental e quase-experimental. Por experimento (experimental ou quase-experimental), entenda-se o procedimento de verificar os impactos de uma variável independente sobre uma variável dependente, ou seja, o procedimento de verificar se existe ou não uma relação de causalidade (Ryan, Scapens, & Theobold, 2002).
Constituindo o delineamento mais prestigiado, por vezes tratado como o “padrão-ouro”, a essência do desenho de pesquisa experimental reside no grau de controle das variáveis que seriam capazes de influenciar o objeto analisado (variável dependente). Em um desenho experimental, o pesquisador tem potencial controle sobre todas as variáveis que podem influenciar o seu objeto de estudo, tornando-se possível eliminar explicações alternativas (variáveis extrínsecas) (Ryan, Scapens, & Theobold, 2002). Para tanto, este desenho exige a existência de um grupo de controle e a aleatoriedade dos indivíduos participantes na pesquisa (Ryan, Scapens, & Theobold, 2002).
Entretanto, este delineamento não é tão comum nas pesquisas em contabilidade que se utiliza, em grande parte, de delineamentos quase-experimentais (Ryan, Scapens, & Theobold, 2002). Os delineamentos quase-experimentais são utilizados quando a distribuição aleatória dos indivíduos participantes e o controle de laboratório são inviáveis (Campbell & Stanley, 1979). Seja um delineamento experimental, seja um delineamento quase-experimental, vê-se necessário validá-lo. Para Oliveira, Walter e Bach (2012), a validade refere-se ao rigor metodológico adotado pelo pesquisador no desenvolvimento de uma pesquisa e procuraria, de maneira geral, convencer o leitor acerca da qualidade do experimento ou quase-experimento realizado. Esta validade pode ser: a) estatística; b) do construto; c) interna e; d) externa (Luft & Shields, 2014).
O primeiro tipo de validade, a estatística, consiste em garantir que a relação de causalidade não advém da violação dos pressupostos dos testes estatísticos empregados pelo pesquisador (Luft & Shields, 2014). Dentre os desafios enfrentados pelo pesquisador, está o de não cometer erros de tipo I (afirmar que existe relação de causalidade, quando não existe) e tipo II (afirmar que não existe relação de causalidade, quando existe). Além disto, é necessário ao pesquisador atentar-se quanto a possíveis erros de mensuração das variáveis do experimento (Ryan, Scapens, & Theobold, 2002).
O segundo tipo de validade, a do construto, está relacionada a operacionalização dos conceitos em variáveis. Esta validade depende do quão bem a variável mensura o que se propõe a mensurar (Luft & Shields, 2014). Steckler e McLeroy (2008) corroboram esta ideia, afirmando que o construto é válido quando as variáveis operacionais representam adequadamente o conceito teórico. Na pesquisa em contabilidade, o desafio surge no momento de operacionalizar certos conceitos, mais abstratos (como nível de conservadorismo contábil); diferente de variáveis como sexo ou idade, menos abstratos, há mais subjetividade neste processo de operacionalização (Ryan, Scapens, & Theobold, 2002).
O terceiro tipo de validade, a interna, procura atestar que a relação de causalidade é dada pela explicação proposta e que outras possíveis explicações não são viáveis, já que foram controladas no desenho de pesquisa (Ryan, Scapens, & Theobold, 2002). De acordo com Luft e Shields (2014), a validade interna logo é maior quando é possível reduzir o número de hipóteses rivais. O desafio do pesquisador reside em garantir que não há variáveis omissas que podem explicar a variação da variável dependente, ou seja, garantir que os fatores exógenos foram, de fato, controlados (Ryan, Scapens & Theobold, 2002). Entretanto, quanto maior o controle, maior o número de dados requisitados e, consequentemente, maior a complexidade do desenho de pesquisa empregado (Luft & Shields, 2014).
O quarto e último tipo de validade trata neste ensaio, a externa, está relacionada a capacidade de generalização dos resultados (Luft & Shields, 2014). A generalização é uma das premissas da pesquisa de tradição positivista-quantitativa, pois é por meio dela que se torna possível predizer fenômenos, pela determinação de leis gerais (Ryan, Scapens, & Theobold, 2002). O desafio do pesquisador reside em evidenciar que a realidade de causalidade não existe apenas no contexto analisado. Entretanto, o desafio do pesquisador, quanto a validade externa, é o tradeoff enfrentado: com menor nível de controle aumenta-se a validade externa e diminui-se a validade interna. Com maior nível de controle, diminui-se a validade externa e aumenta-se a validade interna.
Portanto, o pesquisador que segue a tradição positivista-quantitativa enfrenta uma série de desafios para validar os seus desenhos de pesquisa. Esta validação é necessária para que as relações de causalidade se provem bem fundamentadas.

Referências
Brown, R., & Jones, M. (2015). Mapping and exploring the topography of contemporary financial accounting research. The British Accounting Review, 47(3), 237-261. doi:10.1016/j.bar.2014.08.006
Campbell, D. T., & Stanley, J. C. (1979). Delineamentos experimentais e quase-experimentais de pesquisa. São Paulo (SP): E.P.U.
Dyckman, T. R., & Zeff, S. A. (2015). Accounting Research: Past, Present, and Future. Abacus, 51(4), 511-524. doi:10.1111/abac.12058
Gray, D. E. (2013). Doing research in the real world. London: SAGE.
Luft, J., & Shields, M. D. (2014). Subjectivity in developing and validating causal explanations in positivist accounting research. Accounting, Organizations and Society, 39(7), 550-558. doi:10.1016/j.aos.2013.09.001
Major, M. J. (2017). Positivism and “alternative” accounting research. Revista Contabilidade & Finanças, 28(74), 173-178. doi:10.1590/1808-057x201790190
Oler, D. K., Oler, M. J., & Skousen, C. J. (2010). Characterizing Accounting Research. Accounting Horizons, 24(4), 635-670. doi:10.2308/acch.2010.24.4.635
Richardson, A. J. (2012). Paradigms, theory and management accounting practice: A comment on Parker (forthcoming) “Qualitative management accounting research: Assessing deliverables and relevance”. Critical Perspectives on Accounting, 23(1), 83-88. doi:10.1016/j.cpa.2011.05.003
Ryan, B., Scapens, R. W., & Theobald, M. (2002). Research method and methodology in finance and accounting. London: Thomson.
Saccol, A. (2009). Um retorno ao básico: Compreendendo os paradigmas de pesquisa e sua aplicação na pesquisa em administração. Revista De Administração Da UFSM, 2(2), 250-269. http://dx.doi.org/10.5902/198346591555
Steckler, A., & Mcleroy, K. R. (2008). The Importance of External Validity. American Journal of Public Health, 98(1), 9-10. doi:10.2105/ajph.2007.126847
Vaus, D. de A. (2001). Research design in social research. London: Sage.
Watts, R. L., & Zimmerman, J. L. (1986). Positive accounting theory. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Hipótese da Eficiência do Mercado



A Hipótese da Eficiência de Mercado (HEM) é um assunto rotineiramente debatido quando se trata de finanças. Apresentada inicialmente no seminal de Eugene Fama (premiado em 2013 com o “Nobel” da Economia) intitulado “Efficient capital markets: a review of theory and empirical work”, a ideia de eficiência aqui apresentada está relacionada a capacidade de um ativo (no caso, uma ação) refletir as informações públicas disponíveis sobre ele. Logo, a eficiência de mercado refere-se a forma como as cotações refletem estas informações públicas.
Existem três condições para que o mercado seja eficiente, essas são: Não há custos de transação em títulos negociáveis; toda a informação disponível, está disponível gratuitamente a todos os participantes do mercado; todos concordam com as implicações da informação atual para o preço atual e distribuições de preços futuros de cada título.
Para tanto, Fama (1970) afirma que os mercados podem ser classificados, na perspectiva da eficiência, em três formas: fraca, semiforte e forte.
Na forma fraca o mercado incorporaria completamente as informações os preços passados dos títulos. Dentro deste modelo temos a concepção de Random Walk (ou “caminhada aleatória”), que se baseia em duas hipóteses distintas: a) o preço atual de um título reflete toda a informação disponível, indicando que os movimentos dos preços no tempo são séries de números aleatórios e; b) as mudanças de preços obedecem à mesma distribuição de probabilidade (Fama, 1970). Neste caso, não poderíamos obter retornos anormais tendo como fonte de informação apenas os preços passados, pois como vimos tal preço é uma caminhada aleatória.
Na forma semiforte os preços não refletiriam apenas o histórico do comportamento de preços, como também todas as informações disponíveis publicamente (Fama, 1970). Dentro dessa forma temos a ideia de Fair Game, fundamentado na ideia de que o preço de hoje é igual o preço de amanhã. Logo, o retorno esperado sempre seria zero. Neste sentido, os investidores não conseguiriam obter retornos anormais, já que os preços das ações se ajustam rapidamente.
Por último temos a forma forte, neste caso o mercado é eficiente no sentido forte quando engloba, além das informações publicamente disponíveis e dos históricos dos preços, as não disponíveis. Engloba, portanto, todas as informações sobre um ativo.
Entretanto, na prática, existem várias situações que não corroboram com a hipótese apresentada por Eugene Fama. Tais situações são conhecidas como anomalias, que podem ser classificadas em dois tipos: anomalias de calendário e anomalias de valor.
Dentre as anomalias de calendário destacam-se o “Efeito segunda-feira”, onde os retornos na segunda-feira são menores que nos demais dias, em virtude das companhias geralmente divulgarem as más notícias nos finais de semana, além do “Efeito Janeiro”, onde os retornos de janeiro tendem a ser maiores do que nos demais meses. Dentre as anomalias de valor destacam-se o “Efeito tamanho”, onde os retornos ajustados de ações de empresas pequenas são maiores que empresas de maior tamanho, além do “Efeito do índice P/L”, onde os retornos ao risco da ação com baixo índice de P/L são maiores que os previstos por modelos de equilíbrio de mercado.
Malkie (2003) afirma ser impossível descartar a existência de fatores comportamentais ou psicológicos na precificação de ativos. Além disso, o autor afirma que os preços das ações podem ser altamente sensíveis, como resultado de respostas racionais a pequenas mudanças nas taxas de juros e diferentes percepções de risco. Assim, o autor ainda destaca que enquanto existirem bolsas de valores, haverá decisões que nem sempre são 100% racionais. Diante disto,
Diante dessa influência comportamental e psicológica temos os estudos das finanças comportamentais, onde, em contraponto as finanças “tradicionais”, acredita que os indivíduos não são, como preconiza a hipótese do mercado eficiente, 100% racionais. Ou seja, não acredita na ideia do Homo economicus, idealizado pelos teóricos.
Assim, qual é sua opinião? Considerando os recentes casos de Insider Trading (como o caso de Joesley Batista), as ações das companhias listadas no mercado acionário brasileiro refletem, de fato, as informações públicas disponíveis?

Referências

FAMA, E. F. Efficient capital markets: a review of theory and empirical work. The Journal of Finance, Chicago: American Finance Association, v. 25, n. 2, p. 383-417, May 1970.

MALKIEL, Burton G. The efficient market hypothesis and its critics. Journal of economic perspectives, v. 17, n. 1, p. 59-82, 2003.