sexta-feira, 23 de março de 2018

Quando as pesquisas em contabilidade tomaram um viés tão quantitativo?


No último post que compartilhamos são caracterizadas duas abordagens: qualitativa e quantitativa. Já parou para pensar por que as pesquisas em contabilidade tendem a ser tão quantitativas? Não, nem sempre foi assim.

Para responder esta pergunta precisamos entender que a pesquisa em contabilidade pode ser dividida em duas grandes eras: uma era normativa e uma era positiva. A primeira era teve seu fim na década de 1960. Sob o domínio desta abordagem normativa, as pesquisas em contabilidade procuravam determinar quais eram as melhores práticas e normas contábeis a serem utilizadas pelos praticantes. Nesta perspectiva, acredita-se que os debates eram mais tangíveis a estes praticantes, não havendo (ainda) uma lacuna tão grande entre a academia e a prática profissional – a maioria dos journals tinham um viés profissional (digamos que ao estilo da IOB).

Brincadeiras à parte, a segunda era (positiva) emergiu nesta mesma década. Esta renascença das pesquisas em contabilidade e finanças pode ser explicada por muitos fatores. Entretanto, destacamos alguns, em especial:


a)      A publicação da American Accounting Association (o famoso triple-A) intitulada “A statement of Basic Accounting Theory”, firmando pela primeira vez a concepção da contabilidade ser útil no processo de tomada de decisão;
b)      As recomendações sugeridas, tanto pela Fundação Ford, quanto pela Carnegie Corporation, para novas pesquisas. Ambas publicaram textos recomendando uma pesquisa em contabilidade mais interdisciplinar, interagindo com disciplinas de psicologia e economia, por exemplo. Além disto, incentivaram o uso de testes de hipóteses nas pesquisas em contabilidade;
c)      Surgimento das primeiras bases de dados financeiras (como o Compustat), facilitando a coleta de dados (sim, antes era tudo feito manualmente) e a execução de testes estatísticos – hoje temos ferramentas semelhantes como o Thomsom Reuters, Economatica, Bloomberg, entre outros;
d)      Incentivo, por parte de universidades norte-americanas, para que os alunos de pós-graduação se aprofundassem em matérias de metodologia de pesquisa (em especial, métodos quantitativos);
e)      Uma mudança na tendência dos periódicos, que passaram a priorizar trabalhos com viés quantitativo (estatístico).

Nem tudo é mil maravilhas. Consigo, esta mudança paradigmática trouxe alguns problemas recorrentemente criticados pela própria academia:

a)      Um maior distanciamento entre a produção científica e os praticantes. Quem tem consumido as pesquisas contábeis? Contadores ou apenas outros acadêmicos? Dyckman e Zeff (2010) são ácidos ao afirmar que uma grande parcela das pesquisas em contabilidade possui impacto mínimo, se não nulo, para a atividade que conhecemos como contabilidade; (Será que um contador de um escritório procurará, por exemplo, uma publicação científica para tentar resolver um problema Y, inerente a sua atividade?)
b)      Espera-se que uma hipótese possua um bom background teórico – não basta uma estatística bem aplicada.

Para que possamos refletir, destaco (tradução nossa) a colocação de Dyckman e Zeff (2010):

“Procurar e estimar um resultado estatisticamente significante não é o mesmo que procurar e estimar um resultado economicamente importante”. Aqui surge um outro grande problema: https://www.nature.com/news/big-names-in-statistics-want-to-shake-up-much-maligned-p-value-1.22375 e http://www.dailytexanonline.com/2016/04/08/american-statistical-association-releases-statement-questioning-p-values




Para que e para quem estamos fazendo pesquisa? (Re)pensemos.

Este texto é uma reflexão acerca dos trabalhos de Dyckman e Zeff (2010), Oler, Oler e Skousen (2010) e Brown e Jones (2015).

Dyckman, T. R., & Zeff, S. A. (2015). Accounting Research: Past, Present, and Future. Abacus,51(4), 511-524. doi:10.1111/abac.12058
Oler, D. K., Oler, M. J., & Skousen, C. J. (2010). Characterizing Accounting Research. Accounting Horizons, 24(4), 635-670. doi:10.2308/acch.2010.24.4.635
Brown, R., & Jones, M. (2015). Mapping and exploring the topography of contemporary financial accounting research. The British Accounting Review, 47(3), 237-261. doi:10.1016/j.bar.2014.08.006

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